Como nasce um miliciano: livro revela engrenagem do crime operando dentro do Estado

Novo livro de Cecília Olliveira, “Como Nasce um Miliciano”, revela como a milícia se enraizou nas estruturas do Estado brasileiro, sustentada por agentes públicos, políticos e forças de segurança.

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De onde vem a milícia? Quem a sustenta? E por que ela parece crescer mesmo quando denunciada, investigada e exposta? A resposta que emerge do novo livro da jornalista Cecília Olliveira é clara e perturbadora: a milícia não ocupa um vácuo deixado pelo Estado — ela é parte do próprio Estado em ação criminosa.

Como Nasce um Miliciano: A Rede Criminosa que Cresceu Dentro do Estado e Domina o Brasil (Editora Bazar do Tempo, 2025, 216 páginas) é a estreia fulminante da jornalista no mercado editorial. O livro, com lançamento marcado para o dia 10 de junho de 2025 e já em pré-venda, é fruto de uma investigação corajosa, inquietante e incômoda sobre como parte do Estado brasileiro — e não apenas facções criminosas — se converteu em agente ativo da criminalidade política, armada e eleitoral.

Cecília Olliveira é uma das mais respeitadas jornalistas investigativas do país. Mineira radicada no Rio de Janeiro, fundadora do Instituto Fogo Cruzado (plataforma de dados sobre violência armada), ela também foi diretora da Abraji — Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo, entidade que luta pela liberdade de imprensa e pela proteção de jornalistas em pautas de alto risco, como as que envolvem milicianos e políticos. Sua atuação inclui passagens por veículos como Intercept Brasil, sempre na linha de frente das denúncias sobre segurança pública e violações institucionais.

A narrativa central do livro parte da trajetória de Carlos Eduardo Benevides Gomes, o Cabo Benê, ex-policial militar que ascendeu à liderança miliciana até ser executado, junto com outros onze homens, numa operação policial em Itaguaí — curiosamente às vésperas das eleições de 2020. A autora não apenas relata esse caso: ela o usa como fio condutor para mostrar como estruturas do Estado — corporações policiais, lideranças políticas, órgãos judiciais e setores empresariais — atuam em aliança com o crime organizado.

A apuração envolveu documentos sigilosos, processos judiciais, entrevistas com policiais, promotores, juízes, parentes de vítimas, moradores e fontes anônimas. Mesmo diante da recusa da Polícia Civil em fornecer dados e da imposição de sigilo sobre documentos que ela solicitou, Cecília conseguiu acessar as informações por outras vias. E o que encontrou é o que ela mesma chama de um “retrato perturbador” da política de segurança pública fluminense — e, por extensão, brasileira.

“Sempre acreditei que o Rio de Janeiro tinha jeito. Hoje, tenho muitas dúvidas.”

O livro mostra que não se trata de um poder paralelo, mas de um poder entranhado, operado por dentro do Estado, sustentado com recursos públicos e legitimado eleitoralmente. Não é exagero dizer, como sugere a autora, que Como Nasce um Miliciano é, acima de tudo, um livro sobre política — e não apenas sobre crime.

“O ‘Como Nasce um Miliciano’ não é um livro sobre crime. É um livro sobre política. Sobre como não temos política de segurança, sobre como matar candidatos é cotidiano, sobre como o sistema judiciário, político e econômico estão alinhados — e a gente se ferrando ali no meio. Se for preciso matar funcionários do TRE, eles matam. E fica por isso mesmo — como aconteceu em Seropédica e conto no livro.”

Cecília denuncia um sistema baseado em eleições compradas e votos intimidados pela milícia, guerra entre milicianos e traficantes que atinge moradores inocentes, e um domínio territorial sustentado por cobrança de taxas de “proteção” e pela intervenção direta no comércio e nos serviços populares. As milícias controlam a venda de botijões de gás, sinal clandestino de internet, água, TV a cabo e até imóveis, criando um mercado sob coerção e impunidade.

Esse domínio não se dá apenas pela força física, mas pela cumplicidade com setores do Estado e pela construção de um “negócio” que mistura medo, corrupção e controle político. Os milicianos passaram de pistoleiros a gestores — mas de uma gestão à base de ameaça e exclusão.

A força do livro está no cruzamento entre apuração rigorosa, depoimentos inéditos e uma leitura política madura. O tom não é de lamento, mas de alerta. É um aviso urgente: o problema não é apenas que milicianos se tornaram políticos — é que políticos, policiais e operadores do sistema de justiça estão se tornando milicianos.

O livro demonstra: a milícia não tomou o Estado — ela foi, aos poucos, sendo naturalizada dentro dele, com a conivência e o apoio de parte de seus agentes e estruturas.

A história do Cabo Benê remete à trajetória de Adriano Magalhães da Nóbrega, o “Capitão Adriano”, aspirante a oficial da Polícia Militar que se infiltrou no Bope — o temido Batalhão de Operações Policiais Especiais — para servir à máfia do jogo do bicho. Ele foi morto em 9 de fevereiro de 2020, durante uma operação policial no município de Esplanada, na Bahia.

Essa história é contada no livro Decaído, de Sérgio Ramalho, lançado no ano passado pela Editora Matrix.

“Decaído”, na linguagem dos instrutores do Bope, é o termo usado para designar os soldados que cruzam a linha do bem para o mal. Homens que, como Lúcifer, o anjo que se rebelou contra Deus, caem de um ideal de honra para o submundo da criminalidade. No Bope, “decaído” é aquele que se torna mercenário — que passa a decidir por conta própria quem deve viver ou morrer, a serviço do lucro e da dominação territorial.

O Capitão Adriano tornou-se um dos principais chefes do Escritório do Crime, uma das mais temidas organizações milicianas do país.

O Escritório do Crime era (e ainda é, em partes) um grupo de extermínio formado por ex-policiais e milicianos, especializado em assassinatos por encomenda. Atuava principalmente na Zona Oeste do Rio de Janeiro e ganhou notoriedade nacional ao ser apontado como suspeito de envolvimento no assassinato da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, em 2018.

O Capitão Adriano era mais do que um executor: era uma peça-chave na articulação entre milicianos, contraventores, agentes públicos e figuras políticas. Seu nome aparece em investigações sobre ligações com bicheiros, grilagem de terras, segurança privada ilegal, extorsão e controle armado de comunidades. Ele simboliza a figura do agente do Estado que, em vez de combater o crime, se transforma no próprio criminoso — amparado, protegido e, por vezes, celebrado politicamente.

O livro Como Nasce um Miliciano deixa claro que não estamos diante de um poder paralelo, mas sim de um poder entranhado nas estruturas do Estado, operando a partir de dentro, sustentado com recursos públicos — frutos dos impostos que todos pagamos — e legitimado nas urnas.

Não há Estado ausente: há uma parte do Estado que se criminalizou — e isso, talvez, seja ainda mais grave.

Não se trata de ausência, mas de presença perversa. Setores do Estado deixaram de proteger para controlar, de investigar para acobertar, de representar para lucrar. E quando a milícia vira poder institucionalizado, o cidadão não tem a quem recorrer.

Portanto, o maior perigo à democracia não é o crime que desafia o Estado — é o crime que opera de dentro dele, com uniforme, crachá e mandato.

O futuro da democracia brasileira depende da coragem de olhar esse espelho — e enfrentar os que dele se beneficiam.

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