Em 30 de abril de 2025, a Netflix lançou a aguardada série O Eternauta, uma adaptação da icônica historieta (história em quadrinhos – HQ) argentina criada por Héctor Germán Oesterheld e Francisco Solano López. Com seis episódios, a produção é estrelada por Ricardo Darín no papel de Juan Salvo e dirigida por Bruno Stagnaro. A trama se inicia com uma misteriosa nevasca tóxica que assola Buenos Aires, matando instantaneamente qualquer um que entre em contato com os flocos. Salvo e seus amigos, isolados em casa, descobrem que a nevasca é apenas o começo de uma invasão alienígena, forçando-os a lutar juntos pela sobrevivência.
A série foi filmada entre maio e dezembro de 2023 em mais de 35 locações reais em Buenos Aires, utilizando tecnologia de produção virtual para criar cenários imersivos. Além de Darín, o elenco conta com Carla Peterson, César Troncoso, Andrea Pietra, Ariel Staltari, Marcelo Subiotto, Claudio Martínez Bel, Orianna Cárdenas e Mora Fisz.
A sinopse oficial da série, divulgada pela Netflix, reforça o caráter épico e coletivo da trama:
“Em uma noite de verão em Buenos Aires, uma misteriosa nevasca mortal dizima a maior parte da população e deixa milhares de pessoas isoladas. Juan Salvo e seus amigos iniciam uma luta desesperada pela sobrevivência. Tudo muda quando descobrem que a nevasca tóxica é apenas o primeiro choque de um exército de outro planeta que invade a Terra. A única maneira de sobreviver é resistir e lutar juntos. Ninguém se salva sozinho.”
Recepção Crítica e Avaliação no Rotten Tomatoes
O Eternauta foi amplamente elogiada por sua fidelidade à obra original e pela qualidade da produção. No Rotten Tomatoes (Tomates Podres), a série alcançou 93% de aprovação da crítica e 96% do público. Críticos destacaram a narrativa envolvente, o desenvolvimento dos personagens e os efeitos visuais impressionantes. Alguns apontaram o ritmo mais lento como um aspecto que permite uma exploração mais profunda da trama e dos personagens.
O Rotten Tomatoes é um sítio agregador de críticas que compila avaliações de críticos profissionais e do público. A pontuação da crítica (Tomatômetro) reflete a porcentagem de críticas positivas, enquanto a pontuação do público (Audience Score) indica a porcentagem de espectadores que aprovaram a obra. Uma alta pontuação em ambos os critérios indica uma recepção positiva generalizada.
Assista no sítio abaixo ao trailer dessa série:
Segunda Temporada Confirmada — O Caminho Continua
O sucesso da primeira temporada de O Eternauta na Netflix está sendo tão expressivo que os fãs já anseiam por uma continuação logo nos primeiros dias após a estreia. A boa notícia veio do próprio Ariel Staltari — ator da série (intérprete de Franco) e também um dos roteiristas — durante uma entrevista ao canal argentino C5N.
Staltari confirmou que a segunda temporada já está em desenvolvimento:
“Vai levar tempo, mas espero que não tanto quanto levou para completar a primeira temporada. Não será assim, provavelmente serão tempos mais curtos. Já está sendo trabalhado, já está sendo pensado. Bruno Stagnaro (diretor da série) já está trabalhando nisso”, afirmou.
Segundo ele, a recepção calorosa do público tem sido gratificante:
“Você tem que ter um pouco de paciência. Pensar que foram muitos anos de trabalho para que a primeira noite terminasse e ser questionado sobre a segunda temporada, e graças a Deus, isso está acontecendo. Porque se não te perguntassem, não adiantaria nada.”
Ele também explicou que a narrativa da série exige uma continuação:
“Acho que vai ser muito interessante percorrer esse caminho nessa segunda fase porque, sinceramente, se você viu a primeira temporada, ela não pode terminar onde terminou. Você tem que tentar uma segunda vez, pelo menos.”
O Enredo Original dos Quadrinhos
A HQ O Eternauta foi publicada originalmente entre 1957 e 1959 na revista Hora Cero Semanal. A história começa com Juan Salvo visitando um escritor e narrando sua experiência em um futuro apocalíptico. Uma nevasca mortal atinge Buenos Aires, e Salvo, junto com sua família e amigos, luta para sobreviver. Eles descobrem que a nevasca é parte de uma invasão alienígena, enfrentando diversas ameaças enquanto tentam resistir. A narrativa aborda temas como solidariedade, resistência e a luta coletiva contra a opressão.
Os Criadores — Héctor Germán Oesterheld e Francisco Solano López
Héctor Germán Oesterheld (1919 – “desaparecido” em 1977)
Oesterheld foi um roteirista argentino que, após se formar em geologia, dedicou-se à literatura e aos quadrinhos. Criou personagens como Sargento Kirk e Bull Rocket, destacando-se por sua sensibilidade social. Em 1957, fundou a editora Frontera com seu irmão, criando obras marcantes com artistas como Francisco Solano López, incluindo o clássico O Eternauta.
Com o tempo, Oesterheld se aproximou da esquerda peronista. Na década de 1970, escreveu roteiros clandestinamente durante a ditadura militar. Ele foi preso em 1977 e nunca mais foi visto. Tornou-se símbolo de resistência.
Pouco se sabe sobre os momentos finais de Oesterheld. Um dos poucos registros concretos aparece em um relatório de 1984 da Comissão Nacional sobre o Desaparecimento de Pessoas (CONADEP), da Argentina.
Nesse documento, o psicólogo Eduardo Arias, que esteve detido com Oesterheld, relatou um episódio ocorrido na véspera de Natal de 1977:
“Os guardas nos deram permissão para tirar nossos capuzes e fumar um cigarro. Eles também nos permitiram conversar um com o outro por cinco minutos. Então Héctor disse que, como era o mais velho, queria apertar a mão de todos os prisioneiros presentes, um por um. Eu nunca vou esquecer aquele aperto de mão. Héctor Oesterheld tinha sessenta anos quando isso aconteceu. Sua condição física era realmente muito ruim. Eu não sei o que aconteceu com ele. Eu fui libertado em janeiro de 1978. Ele ficou naquele lugar.”
Esse pequeno gesto — apertar a mão de cada companheiro de cela — permanece como uma das últimas imagens conhecidas de Oesterheld: frágil fisicamente, mas firme em sua humanidade.
Em 1977, suas filhas, Diana (23), Beatriz (19), Estela (25) e Marina (18), também foram presas. Nenhuma delas foi vista novamente, e todas foram consideradas mortas. Os maridos de suas filhas também desapareceram.
Um neto, Martín, nasceu em cativeiro. A viúva de Oesterheld, Elsa Sánchez, soube do menino e o recuperou da custódia do governo, embora nunca mais tenha visto sua filha. Ela criou Martin. Um segundo neto, Fernando, nascido mais cedo, foi criado por seus avós paternos.
Em 1980, o Salone Internazionale dei Comics de Lucca (Itália) concedeu postumamente o Prêmio Yellow Kid a Oesterheld em reconhecimento à sua contribuição histórica aos quadrinhos.
Em 2016, a edição norte-americana de O Eternauta, publicada pela Fantagraphics, venceu o Prêmio Eisner na categoria Melhor Coleção/Projeto Arquivístico – Tiras”.
Francisco Solano López (1928 – 2011)
Desenhista argentino, Solano López iniciou sua carreira nos anos 1950 e foi um dos pioneiros da Frontera. Parceiro de Oesterheld, ilustrou O Eternauta, que marcou sua carreira. Trabalhou em revistas infantis, de aventura e ficção científica.
Com a crise editorial argentina e baixos pagamentos, mudou-se para a Europa em 1963, onde consolidou carreira no mercado britânico e espanhol, ilustrando HQs de guerra e fantasia. Voltando à Argentina nos anos 1970, participou da sequência O Eternauta II, mas se exilou após a repressão à família Oesterheld.
Continuou atuante nas décadas seguintes, colaborando com autores exilados e editoras internacionais. Durante a década de 1970, o desenhista viveu exilado no Brasil, onde colaborou com editoras nacionais, ilustrando revistas como O Escorpião e Terror, da Editora Vecchi.
Morreu em 2011, sendo reconhecido como um dos maiores artistas da América Latina.
As Palavras dos Autores — Prefácios de Oesterheld e Solano López
Na introdução da edição de O Eternauta, Héctor Germán Oesterheld e Francisco Solano López compartilham suas perspectivas sobre a criação da obra. Oesterheld revela que sua inspiração inicial foi Robinson Crusoé, mas logo percebeu que sua história não era sobre o homem isolado, e sim sobre o homem em grupo — com família, amigos, vínculos e responsabilidade. Ele reforça que o verdadeiro herói da história é coletivo: “nunca o herói individual, nunca o herói solitário”.
Solano López relembra o momento em que recebeu o convite de Oesterheld para ilustrar a história. A princípio, estava cético com a proposta de fazer ficção científica “realista”, mas se encantou com o roteiro ao lê-lo. Ele ressalta a importância de criar personagens humanos, reconhecíveis, e de representar com sensibilidade os sentimentos e o drama da resistência. Para Solano, aquele foi o momento decisivo em que Oesterheld escolheu os quadrinhos como forma definitiva de expressão.
Reconhecimentos — Prêmios Yellow Kid e Eisner
Antes que alguma prezada leitora ou prezado leitor me pergunte sobre os prêmios póstumos que Oesterheld recebeu, veja abaixo as informações sobre eles.
Yellow Kid Award
O Prêmio Yellow Kid, concedido na Itália desde 1970, é considerado um dos mais importantes reconhecimentos internacionais no mundo dos quadrinhos. Seu nome homenageia The Yellow Kid, personagem criado por Richard F. Outcault no final do século XIX, frequentemente citado como o primeiro personagem das histórias em quadrinhos modernas. O prêmio foi entregue inicialmente no Salone Internazionale dei Comics, em Lucca, e, posteriormente, em Roma, entre 1994 e 2005. Desde 2006, voltou a ser concedido no festival Lucca Comics & Games, destacando artistas e obras de relevância no cenário mundial.
Eisner Awards (Prêmios Eisner)
Os Eisner Awards, estabelecidos em 1988 e nomeados em homenagem ao pioneiro dos quadrinhos Will Eisner, são considerados o “Oscar” da indústria de quadrinhos. Concedidos anualmente durante a San Diego Comic-Con, reconhecem realizações criativas em diversas categorias, incluindo Melhor Roteirista, Melhor Artista e Melhor Publicação Internacional.
Publicações de O Eternauta no Brasil
Para os interessados em conhecer a obra original, algumas edições de O Eternauta estão disponíveis no Brasil:
– O Eternauta – Edição Definitiva (Pipoca & Nanquim, 2024): Uma edição de luxo com capa dura, 372 páginas e restauração das ilustrações originais de Francisco Solano López.
– O Eternauta 1969 (Comix Zone, 2020): Uma versão mais politizada e experimental da história, com roteiro de Héctor Germán Oesterheld e arte de Alberto Breccia, com 64 páginas.
– O Eternauta (Martins Fontes, 2011): Primeira edição brasileira da obra original, com 362 páginas.
– O Eternauta 2 (Martins Fontes, 2013): Continuação da história, também publicada pela Martins Fontes, com 224 páginas.
Essas edições estão disponíveis em lojas especializadas e plataformas online, como a Estante Virtual e a Amazon.
Uma Experiência Pessoal — O Passeio das Histórias em Quadrinhos
Durante minha viagem a Buenos Aires para assistir à final da Libertadores de 2024, na qual o meu Botafogo se sagrou campeão, aproveitei para visitar o Paseo de las Historietas, um percurso que homenageia personagens icônicos dos quadrinhos argentinos.
Como leitor apaixonado por histórias em quadrinhos, sempre procuro conhecer, nas cidades que visito, no Brasil ou no exterior, museus, exposições, locais e lojas dedicados ao tema.
O Paseo de las Historietas é uma rota cultural que percorre bairros da capital argentina, como San Telmo e Monserrat, apresentando esculturas e instalações de personagens como Mafalda, Isidoro Cañones, Patoruzú, e tantos outros.
A última estátua do passeio é justamente a de O Eternauta, com a qual fiz questão de tirar fotos, como também fiz com as outras estátuas. Escrevi um artigo sobre essa experiência para o Diário do Rio, que pode ser lido no seguinte sítio:
“Passeio da Historieta em Buenos Aires: Um Caminho de Riso e Memória com Mafalda, Eternauta e Outras Lendas dos Quadrinhos”
Veja no seguinte sítio as fotos daquela estátua do Eternauta:
